O TRATAMENTO DIFERENCIADO DISPENSADO ÀS ME’S E EPP’S À LUZ DA LEI COMPLEMENTAR Nº 123/2006 E A POSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE EMPRESAS NÃO ENQUADRADAS COMO TAL EM LICITAÇÕES DE ATÉ R$ 80.000,00 (OITENTA MIL REAIS).

A CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS TRABALHISTAS (CNDT) CRIADA PELA LEI No 12.440/11 E A POSSÍVEL INCONSTITUCIONALIDADE DECORRENTE DA ALTERAÇÃO DA LEI DE LICITAÇÕES – LEI No 8.666/93
4 de julho de 2018

O TRATAMENTO DIFERENCIADO DISPENSADO ÀS ME’S E EPP’S À LUZ DA LEI COMPLEMENTAR Nº 123/2006 E A POSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE EMPRESAS NÃO ENQUADRADAS COMO TAL EM LICITAÇÕES DE ATÉ R$ 80.000,00 (OITENTA MIL REAIS).

Bruno Meyer Montenegro*

Afirma a Lei Complementar nº 123/2006, em seu artigo art. 47, inciso I:

Art. 47. Nas contratações públicas da administração direta e indireta, autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal, deverá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica.
Parágrafo único. No que diz respeito às compras públicas, enquanto não sobrevier legislação estadual, municipal ou regulamento específico de cada órgão mais favorável à microempresa e empresa de pequeno porte, aplica-se a legislação federal.
I – deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

Como requisito para participação nos certames cujo valor envolvido seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), as licitantes deveriam — obrigatoriamente e por força do dispositivo citado acima — se enquadrar na condição de Microempresas (ME’s) ou Empresas de Pequeno Porte (EPP’s), vez que o artigo 47, da referida LC confere, em tais casos, “tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica”.

É de se destacar, todavia, que a mesma LC em referência, mais precisamente no seu artigo 49, abaixo reproduzido, afasta o referido “tratamento diferenciado e simplificado” às ME e EPP nas seguintes hipóteses; verbis:

“Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando:

II. não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório.

Percebe-se que o inciso II citado acima foi claro ao afirmar que, caso fique demonstrada a ausência de no mínimo 3 licitantes competitivos e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no edital, deverá ser afastado o tratamento diferenciado previsto na Lei Complementar em comento.

Ora, é com fundamento nesse dispositivo que empresas não enquadradas como ME’s e EPP’s estão obtendo êxito, administrativa e judicialmente, sendo autorizadas a participar de certames cujo valor não supere R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), com o consequente afastamento do tratamento diferenciado, naquele caso concreto.

O desafio para essas empresas, nesse caso, é demonstrar de forma incisiva a ausência dos 3 competidores competitivos e capazes. Para tanto, faz-se necessário uma investigação para auferir a regularidade das empresas junto aos Órgãos municipais, estaduais e federais, bem como se possuem todas as certidões exigidas usualmente nos instrumentos convocatórios.

Permitir que o tratamento diferenciado subsista na ausência dos requisitos previstos no art. 49 da LC nº 123/2006 macula, a toda evidência, o caráter e a natureza competitivos dos certames públicos – o que, por consequência, reduz sobremodo o rol de licitantes, cujo objetivo é o de se obter a proposta mais vantajosa para a administração pública, conforme preconiza o artigo 3º, da Lei nº 8.666/93, abaixo trazido à colação, verbis:

“Art. 3o. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”.

Bem se vê, pois, que o art. 49 da Lei Complementar nº 123/06 proíbe a aplicação do disposto nos seus artigos 47 e 48 quando o tratamento diferenciado e simplificado para as ME’s e EPP’s não for vantajoso para a Administração ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado.

É que a “a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica” através da estipulação de exclusividade de participação de microempresas e empresas de pequeno porte NÃO PODE SE EFETIVAR EM DETRIMENTO À AMPLA COMPETITIVIDADE, que, por sua vez, traz vantagem à Administração Pública.

Ademais, o interesse público – de obter preços mais vantajosos à administração, diminuindo o custo do dinheiro público, através da ampla competitividade – não pode ser subtraído pelo interesse privado das microempresas e empresas de pequeno porte. A jurisprudência assim estipula, nesse sentido:

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. PREGÃO ELETRÔNICO. RESTRIÇÃO DO CERTAME A MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE. AUSÊNCIA DE VANTAGEM À ADMINISTRAÇÃO. PREJUÍZO AO ERÁRIO. RECURSO PROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. 1) A Lei Complementar Federal nº 123⁄06 e o Decreto nº 8.538⁄2015 impõem ao Poder Público a concessão às microempresas e empresas de pequeno porte de tratamento diferenciado com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica. 2) Sob esse aspecto, o edital impugnado não perpetrou ilegalidade ao excluir da disputa as empresas de maior porte, considerando que o objeto do pregão por itens não excede o limite legal de R$ 80.000,00. 3) O valor global não influi na observância do mencionado limite, haja vista que para cada item há concorrência autônoma entre as empresas participantes do certame, como já decidiu o Tribunal de Contas da União. 4) Por outro lado, a Lei Complementar nº 123⁄2006 excepciona a aplicação dessa regra nas hipóteses previstas no art. 49, dentre as quais se inclui a ausência de vantagem para a Administração. 5) Quanto ao pregão objeto dos autos, a comparação dos preços dos mesmos medicamentos licitados com os alcançados em pregões efetuados nos Municípios de Bom Jesus do Norte e São Gabriel da Palha, em que houve ampla concorrência, resultou na exorbitante diferença de R$ 233.025,35. 6) Com efeito, revela-se minimamente demonstrado que o procedimento adotado pelo Município recorrido pode implicar extrema onerosidade às contas públicas, configurando a exceção legal de que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte integrantes da licitação não são vantajosas à Administração Pública. 7) Recurso provido. Agravo interno prejudicado. ACORDA a Egrégia Segunda Câmara Cível, em conformidade da ata e notas taquigráficas da sessão, que integram este julgado, à unanimidade, dar provimento ao recurso e julgar prejudicado o agravo interno. Vitória, 12 de setembro de 2017. DESEMBARGADOR PRESIDENTE DESEMBARGADOR RELATOR. (TJ-ES – AI: 00006554520178080044, Relator: JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA, Data de Julgamento: 12/09/2017, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 20/09/2017)

(Grifo nosso)

Depreende-se, assim, que a Lei Complementar nº 123/06 tem por incompatível com o interesse público a exclusividade de participação de entidades de menor porte, em licitação cujo valor estimado não supere R$ 80.000,00, sempre que a Administração verifique o risco de prejuízo para o conjunto ou complexo do objeto a ser contratado, eis que as ME’s e EPP’s não contam, em equivalência às empresas de grande e médio porte, com estruturas e capacidade técnica para atender a determinadas demandas.

Assim, mesmo que o valor estimado da licitação seja inferior a R$ 80.000,00, a Administração deve ampliar a participação para entidades de grande e médio porte, se a exclusiva participação de micro e pequenas empresas contiver risco de prejuízo à satisfatória execução do conjunto ou complexo do objeto.

Por todo o exposto, é importante que as empresas não enquadradas como ME’s e EPP’s estejam atentas a esse nicho de licitações pois, uma vez comprovada a ausência do número mínimo de fornecedores competitivos e aptos a cumprir as exigências editalícias, pode-se abrir um novo leque de atuação, agregando novas receitas a tais licitantes.

Fortaleza/CE, agosto de 2018.

* Bruno Meyer Montenegro é advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e sócio fundador de VALMIR PONTES – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, em Fortaleza/CE.

“O presente trabalho não representa necessariamente a opinião do Escritório, servindo apenas de base para debate entre os estudiosos da matéria. Todos os direitos reservados.”

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